Tinha os olhos abertos mas não via.
O corpo todo era a saudade
de alguém que o modelara e não sabia
que o tocara de maio e claridade.
Parava o seu gesto onde pára tudo:
no limiar das coisas por saber
- e ficara surdo e cego e mudo
para que tudo fosse grave no seu ser.
Eugénio de Andrade
(As mãos e os frutos)
quinta-feira, 28 de maio de 2009
domingo, 10 de maio de 2009
A exacta viagem (fragmento inicial)
Falo de um tempo incolor,
onde a luz brilha como um aço esquecido.
Aqui um gesto limita carícias como vidro esmagado,
e, do que sabemos, só é nossa esta sagrada flor
que não desvendamos.
Prodigiosos os insectos,
cujo vocabulário é tão reduzido e ondulado
e sentem a morte
como os pássaros escuros e sem destino.
Sábios, brilhantes e frios,
os dedos que nos estendem
trazem eternidade de gargantas falsas
onde um reino é sempre dourado,
mas nunca, nunca chega a nossa voz
de juncos e ausência.
Onde estás primavera de vinho e loucura
que não nos restituis as acácias
e os peixes das ervas pequenas e sadias?
Onde se esconde teu coração adolescente,
teu riso de neve e seda
em perene sigilo?
Onde colher os gestos da lua
se nos cortaram as mãos
e a catedral de nossa esperança
agoniza todas as noites,
entre estátuas e estátuas?
Não, não nos falem de palavras
compondo bênçãos
e escorrendo rios de alegria e paz.
Não é verdade que temos ossos e músculos
e o sangue dói quando nos apertam a cabeça?
Liberto Cruz
(Itinerário)
A Urbano Tavares Rodrigues e David Mourão-Ferreira
onde a luz brilha como um aço esquecido.
Aqui um gesto limita carícias como vidro esmagado,
e, do que sabemos, só é nossa esta sagrada flor
que não desvendamos.
Prodigiosos os insectos,
cujo vocabulário é tão reduzido e ondulado
e sentem a morte
como os pássaros escuros e sem destino.
Sábios, brilhantes e frios,
os dedos que nos estendem
trazem eternidade de gargantas falsas
onde um reino é sempre dourado,
mas nunca, nunca chega a nossa voz
de juncos e ausência.
Onde estás primavera de vinho e loucura
que não nos restituis as acácias
e os peixes das ervas pequenas e sadias?
Onde se esconde teu coração adolescente,
teu riso de neve e seda
em perene sigilo?
Onde colher os gestos da lua
se nos cortaram as mãos
e a catedral de nossa esperança
agoniza todas as noites,
entre estátuas e estátuas?
Não, não nos falem de palavras
compondo bênçãos
e escorrendo rios de alegria e paz.
Não é verdade que temos ossos e músculos
e o sangue dói quando nos apertam a cabeça?
Liberto Cruz
(Itinerário)
A Urbano Tavares Rodrigues e David Mourão-Ferreira
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